segunda-feira, 26 de abril de 2010

Transporte pirata também nas BRs

23/04/2010 - Jornal Alo Brasília

Jonatha Pessoni 

“Eles proíbem, hora ou outra pegam o nosso carro. Mas eu, pelo menos, não paro não. Sempre vai ter passageiro e a renda é boa”. O motorista, que prefere ser chamado só de “Zé” para não se identificar, vive há quase oito anos da renda de uma profissão arriscada e ilegal. Sem autorização, ele e mais outros, quase 30 motoristas, transportam diariamente passageiros que precisam viajar de Brasília para Goiânia ou vice-versa, em carros de passeio, caminhonetes e táxis. A prática já tem até um terminal clandestino e funciona à céu aberto, sem nenhum esconderijo.

Ao descer na estação do metrô “Centro Metropolitano”, em Taguatinga, o passageiro que pretende viajar já se depara com aliciadores na saída do terminal. A proposta parece tentadora. Oferecem uma viagem até Goiânia pelo mesmo preço cobrado pelo ônibus convencional, prometem uma viagem pelo menos 50 minutos mais rápida e mais confortável. No entanto, alguns dos carros não são dos mais novos, nem sempre têm equipamentos de segurança e alguns motoristas colocam até seis pessoas no veículo.

A Rodoviária de Taguatinga funciona como o “terminal” dos loteiros – nome popular dado aos motoristas do transporte clandestino. A reportagem do Alô Brasília flagrou a ação no estacionamento do local e encarou a viajem “pirata”. A bordo de um Palio Weekend modelo 98, fizemos o trajeto de 209km entre as duas capitais em mais ou menos duas horas. No caminho, duas paradas de cerca de 15 minutos foram feitas para que os passageiros pudessem descansar. No fim, o tempo de estrada chegou a ser feito em uma hora e meia.

Entre os passageiros, a feirante Ana Clara, 46 anos, explicou que faz compras em Goiânia todos os domingos e sempre opta pelo transporte clandestino, mas conta que já passou maus bocados. “É sempre um risco. Você nunca sabe em que tipo de motorista esta confiando ou se a polícia vai parar vocês na estrada. Eu já fiquei com o ’coração na mão’ com uns motoristas que corriam demais e já vi pneu estourar, carro estragar e coisas do tipo”, contou. Mas a passageira assume que prefere se arriscar a encarar as três horas de ônibus. “Eu não pego ônibus normal porque demora, apesar de ser mais seguro. Quando viajo de ’lotação’ eu não preciso esperar, o carro lotou, o motorista sai. Nessa brincadeira eu economizo quase duas horas”, explicou.

O motorista, “Zé”, falou que a rotina de viagens entre Brasília e Goiânia faz parte de sua vida há mais de meia década e que nunca faltou passageiro. “Faço isso de segunda à segunda, começo às 5h e só para lá pelas 22h. Já cheguei a fazer até sete viagens por dia. As vezes ficam três loteiros esperando no mesmo ponto para encher os carros e rapidinho chegam passageiros suficientes”, destacou.

O Gerente de fiscalização do Departamento de Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), Pedro Jorge Brasil, afirmou que fiscalizações têm sido feitas constantemente, mas que é difícil flagrá-los, devido a toda organização existente por detrás do esquema. Segundo ele, o ato precisa ser autuado em flagrante, o que torna a ação quase impossível, uma vez que é difícil provar que se trata de um transporte clandestino e não de uma simples viagem entre conhecidos.

“Eles ficam ligados, sabem quando estamos fiscalizando e se comunicam com rapidez, logo, logo some todo mundo dos pontos. É difícil combatê-los, quanto mais nós tentarmos mais eles encontram meios para dar sustentação ao negócio”, assentiu. “Outro problema é flagrar a ação desses caras. Quando eles estão parados, não estão praticando nenhum tipo de infração e quando estão na estrada, instruem os passageiros a dizer que são todos amigos e que se conhecem. Por isso, é complicado autuar.”

Desde 2002, mais de 995 multas foram aplicadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) pelo transporte interestadual ilegal no Distrito Federal. A média é de 165 autuações por ano só na estrada que faz parte do trajeto. O transporte ilegal é crime e pode resultar em multa de R$ 4.021,92 ao infrator. Se o motorista for flagrado na rodovia, os fiscais obrigam o condutor a pagar as passagens de ônibus de todos os passageiros que os acompanhavam. Segundo um passageiro que preferiu não se identificar, existe, inclusive, envolvimento de policiais militares no esquema.

Uma briga de R$ 260 mi no TIP


26/4/2010
Jornal do Commercio (PE)

Há uma briga silenciosa e milionária no governo em torno de um contrato de 30 anos, avaliado em R$ 260 milhões. Está em jogo a tarifa de embarque paga todos os dias por milhares de pessoas que tomam ônibus no Terminal Integrado de Passageiros (TIP) e em outros 11 terminais rodoviários em Pernambuco. A Socicam, que administra essas estruturas, alega ter sofrido perdas financeiras devido à ausência de repasses das tarifas de embarque durante oito meses. Diz que faltou fiscalização do Estado. O governo divulgou a criação um grupo de trabalho para investigar o assunto. Depois, silenciou.
  
O contrato com a Socicam foi assinado em outubro de 2008. Em 7 de janeiro passado, atendendo a pedido da empresa, a Secretaria de Transportes (Setra), que licitou o negócio, criou o grupo para investigar o negócio, com um técnico da própria secretaria, um do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e um da Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe).
  
A investigação duraria 30 dias, mas foi prorrogada por mais um mês. Depois de um novo prazo esgotado, contudo, a secretaria passou a evitar o assunto. O comando da pasta mudou e, agora, a Setra defende que a avaliação do contrato cabe a outra área de governo.
  
O resultado da investigação interessa a milhares de pessoas, porque, eventualmente, pode resultar em aumento da tarifa de embarque cobrada, somente no TIP, a 3 mil passageiros, diariamente. Os outros terminais operados pela Socicam são Araripina, Arcoverde, Caruaru, Gravatá, Garanhuns, Limoeiro, Palmares, Petrolândia, Petrolina, Salgueiro e Serra Talhada.
  
A única entrevista de um porta-voz da secretaria sobre a polêmica foi em janeiro, logo após a criação do grupo de trabalho. Eram férias do então secretário Sebastião Oliveira e quem falou foi o secretário-adjunto de Transportes, Antônio Ferreira Cavalcanti Júnior.
  
Ele rebateu a queixa da Socicam sobre a suposta ausência de repasses, afirmação feita ao JC pelo gerente do Núcleo Pernambuco da Socicam, Elmar Gomes, segundo quem, apesar dos alertas ao Estado, não houve fiscalização.
  
"Isso (ausência de receita) não procede. Houve, sim, algumas dificuldades operacionais no início. Criamos o grupo de trabalho para fazer o levantamento na 'boca da botija', como se diz. Vamos apurar não só aparte financeira. Houve erro operacional? Foi do Estado ou da empresa? Vamos ver se há desequilíbrio ou não no contrato", rebateu, então, o secretário-adjunto.
  
Também ao JC, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Pernambuco (Serpe), Elson Souto, apontou falha na elaboração das planilhas de lucros e gastos, pelo governo, e da Socicam, na avaliação dos dados.
  
Nos últimos três meses e meio, a Setra perdeu a voz. Se comunicou por notas em que se esquivava do assunto. "O grupo está apresentando o relatório nesta semana à Secretaria de Transportes. A partir da próxima semana, os secretários (o adjunto e o titular da pasta) farão uma análise e poderão discutir os resultados", informou a pasta, em nota, no dia 2 de março.
  
A análise não saiu, mas o secretário sim. No início deste mês, Oliveira, que disputará eleições, retomou a vaga de deputado na Assembleia Legislativa. Eugênio Morais, que já comandava o DER, acumulou a pasta. Dia 5 passado, a Setra informava, em nota, que Morais falaria sobre o assunto após analisar o relatório. Houve um novo silêncio.
  
Na última sexta-feira, uma nova nota da secretaria mudou tudo. Informava que a decisão cabe à Arpe, não à Setra.